terça-feira, 29 de março de 2011

REPORTAGEM: DEPRESSÃO PÓS-PARTO

Lágrimas de infelicidade
Crescem os relatos e alertas sobre a depressão pós-parto, quando
a mãe chora mais que seu bebê
Bel Moherdaui
Desejar muito ser mãe, preparar-se para a alegria do nascimento do bebê e, depois, sofrer miseravelmente com isso. Sentimentos tão conflitantes assim não são nada excepcionais. "No terceiro ou quarto dia depois que meu primeiro filho nasceu, comecei a sentir uma tristeza muito forte. Eu sabia que ele era lindo, perfeito, mas só de vê-lo dormindo já me dava um choro compulsivo", lembra a médica Andrea Abdala, de Mogi das Cruzes, em São Paulo, que teve sensações parecidas no nascimento dos outros dois filhos. Assim como ela, quase 85% das mulheres têm algum nível de depressão ou melancolia no período seguinte ao parto. Na maioria dos casos, o problema se manifesta de forma branda, logo nos primeiros dias do nascimento do bebê, e dura em média duas semanas – é a chamada disforia, ou baby blues, que atinge 70% das mães. Nas demais mulheres afetadas, o diagnóstico é mais grave: de 10% a 15% sofrem de depressão pós-parto (veja quadro) e menos de 1% desenvolve a chamada psicose puerperal, quando a mulher tem alucinações e pode chegar ao extremo de matar o próprio filho.
Enfrentar a enorme complexidade da relação de uma mãe com o filho recém-nascido é compreensivelmente difícil. Por muito tempo, a questão foi arquivada no escaninho dos temas que pouca gente se dispõe a encarar. "Antes existia resistência até entre os médicos para falar no assunto. Há dois anos conseguimos incluí-lo no nosso curso de gestantes e o temos discutido cada vez mais no consultório", diz o ginecologista Wladimir Taborda, coordenador da maternidade do Hospital Albert Einstein. A atriz Brooke Shields acaba de lançar nos Estados Unidos o livro Down Came the Rain – My Journey Through Postpartum Depression (sem previsão de lançamento no Brasil), em que narra a dor que viveu logo após o nascimento da filha Rowan, em 2003. "Eu não estava apenas sensível ou chorosa, como tinham dito que eu ficaria. Era uma coisa bem diferente", conta a atriz. "Uma tristeza de magnitude surpreendente." Na lista de famosas que revelaram ter passado por isso estão ainda Courtney Cox (a Monica de Friends), a estilista inglesa Sadie Frost (que culpou a infidelidade crônica de seu marido na época, o belo Jude Law, pelo agravamento do problema) e a brasileira Luiza Tomé.
 "O parto é muito agressivo para a mulher. Ao longo de nove meses, ela perde cintura, ganha celulite, varizes. De repente, é esvaziada e ainda tem de virar adulta e ser a provedora da criança", enumera Rosana Simões, professora de ginecologia e obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo. Nesse período precisa, ao mesmo tempo, se adaptar à nova condição de mãe, se recuperar do parto e encarar uma revolução hormonal. "Algumas mulheres são mais suscetíveis às oscilações dos níveis hormonais, mas não se pode dizer que elas sejam a causa da depressão pós-parto. Em geral, há uma interação de causas que desencadeiam os sintomas", explica o psiquiatra Joel Rennó Júnior, coordenador do Projeto de Atenção à Saúde Mental da Mulher do Hospital das Clínicas de São Paulo. Entre elas, histórico psiquiátrico pessoal ou familiar, fatores estressantes de ordem socioeconômica (desemprego, por exemplo), relacionamento conjugal precário, relações complicadas com a própria mãe, gravidez anterior interrompida, grande insegurança ou ansiedade e baixa auto-estima.
O intenso desejo de ser mãe pode, contraditoriamente, agravar o quadro. Brooke, Courtney e Luiza passaram anos tentando engravidar e só o conseguiram com tratamentos. "Há uma certa prevalência de depressão associada a gravidez por reprodução assistida. Como é algo muito desejado, o medo de perder é enorme", diz Laudelino Lopes, diretor do departamento de obstetrícia da Laranjeiras Clínica Perinatal, do Rio de Janeiro. No caso da empresária carioca Maria das Neves, 46 anos, os sintomas começaram antes do nascimento de Maria Cecilia, há um mês e meio, depois de três tentativas de fertilização. "Eu tinha vontade de tirar o nenê. Não participei de nada do enxoval, não vi nenhum detalhe do quarto", relata. Em situações assim, além da psicoterapia, é necessário o uso de medicamentos, inclusive antidepressivos, apesar do risco em potencial, pois são excretados (em quantidades mínimas) no leite materno. "Estudos recentes mostram que é pior ser uma mãe depressiva do que arriscar o uso de antidepressivo na amamentação", diz Monica Zilberman, do Instituto de Psiquiatria da USP.

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